27.6.25

A Maçã Lefebvrista

Entender esse conteúdo demanda, primeiro, conhecer o pensamento utilitarista, para dele compreender como as coisas genuínas da fé se tornam frutos do pecado. Desta forma, entender-se-á o motivo de escandalizarem a Missa de São Paulo VI ou os mistérios luminosos do Santo Rosário.
Tiziano Vecellio. A Queda do Homem.
1. Em suma, pelo utilitarismo do iluminista Jeremy Bentham (1748-1832), as ações morais devem representar uma satisfação duradoura, ou seja, quanto mais dura, intensa for ou numerosa ser, maior o valor moral da ação feita, concluindo-se dela o que é tido pelo “hedonismo quantitativo”. Noutros termos, sendo as ideias hedonistas postulantes do “prazer como única virtude”, assim como a finalidade da humanidade na terra seria a busca pelos prazeres enquanto evita as dores, quanto mais prazerosa é a atividade, melhor, independentemente de qual seja, pois importa tão somente essa quantidade à satisfação prazerosa do indivíduo.

2. Através do utilitarismo, as coisas se tornam meros meios para obtenção de prazeres, no plural, lembrando ainda que quanto mais, melhor. Como essa ideia decorre do próprio hedonismo, cujo fim está voltado ao homem como centro do universo no sentido antropoteísta (igualmente ou sendo ele mesmo um deus), significa que tal utilidade não transcende e pertence tão somente ao reinado da imanência, que por sua vez segue presa ao império dos sentidos, donde já se observa até mesmo A Mentalidade Revolucionária predominar. Se algo não traz algum prazer, logo não deve ser moral — e o motivo da moralidade ser pauta quase única aos hedonistas.

3. Por mais que afirmem acreditar na transcendência, os utilitaristas acabam apenas dando provas de que as coisas, se se correspondem do alto para baixo, então devem igualmente ser correspondentes de baixo para o alto. Se no utilitarismo o que é transcendente é como ouro, este, pela imanência que lhe compete por tal ligação, precisa ser dourado. Noutros termos, se os prazeres decorrem da apreciação de ritualísticas específicas como ações morais à satisfação duradoura, julgam-na desta forma não por ela representar a verdade sob aspecto imanente, mas por ser capaz de captar as projeções meramente pessoais, independentemente de quais sejam. Assim sendo, essas percepções, coletivas ou individuais, aderidas ou convencionadas, sintetizam-se na forma como querem, donde o querer, advindo dessa conclusão como conteúdo, apresenta-se justamente como a ação moral, portanto, verdadeira. Porém, neste caso, qualquer ato litúrgico que preencha esta configuração é considerado igualmente verdadeiro — e o motivo pelo qual esta compreensão, classificando-a segundo sua essência, verifica-se também pelo próprio gnosticismo, evidenciada por uma assimilação de princípios herméticos de correspondência, derivados da tentativa de fusão do hermetismo com o cristianismo através da filosofia platônica no período renascentista, modernamente refletida no reavivamento do estoicismo, que por sua vez foi influenciado por tal (neo)platonismo já impregnado do pensamento (anti)cristão.

4. Não à toa, aqueles que acreditam ser compatíveis com a Missa de São Paulo VI as diversas manifestações religiosas, sobretudo aquelas próprias de crendices neopagãs, incorrem na percepção utilitarista de um rito, igualmente ocorre através da elevação em exclusivo da “Missa Tridentina” em detrimento daquela promulgada como resultado pós-conciliar, surgindo disto uma falsa opção que encontra seu sustento no utilitarismo decorrente não de uma verdade, mas de uma percepção mais prazerosa do verdadeiro, seja pela projeção das vontades interiores no objeto comum, sintetizado, ou; pior: pela mera necessidade de antagonizar. Desta última noção derivam as heresias dos primeiros séculos na Santa Igreja, notadamente pelo gnosticismo, que por sua vez culmina na Baixa Idade Média em formas mais plenas, como se vê no caso do purismo dos cátaros ao se apartarem da cristandade, privando os adeptos ou cristãos sob coação de sacramentos como Matrimônio e a legítima Confissão, dentre outras coisas, além da clara desobediência às autoridades eclesiásticas. Incrivelmente, nessa gnose como meio para práticas à utilidade, tanto se valem os abusadores (leia-se subversores) da liturgia (voltando-a à ideologias marxistas), quanto aqueles que renegam sua validade posterior ao Concílio Vaticano II (removendo-lhe sua sacralidade).

5. Este tipo de sola gnose decorrente do utilitarismo é semelhante ao protestantismo supostamente combatido por aderentes da Fraternidade Sacerdotal São Pio X — FSSPX, declarados ou enrustidos, inclusive por entrelaces históricos e a famigerada desobediência, reafirmada mais recentemente em página própria de internet em 2017: “Não se pode celebrar a missa segundo um rito não católico nem assistir a ela. Ora a missa de Paulo VI é um rito não católico. Portanto não se pode celebrar a missa de Paulo VI nem assistir a ela.” (Padre Philippe Toulza) — e a semelhança ao catarismo não é uma coincidência, assim como aquele ímpeto editorial voltado ao fomento de um cristianismo intelectualista e aristocrático, fatalmente cismático e herético, diferente dos benéficos empenhos editoriais que estão em plena comunhão com a Santa Igreja. Neste ponto, tende à seita da “igreja morta” no Concílio Vaticano II, motivo pelo qual todo os seus aderentes não professam o que é próprio da fé, mas uma paródia utilitária, sintetizada, enquanto praticam ações morais que representem uma satisfação duradoura, contudo, decaídas em um “hedonismo quantitativo”. Também por tal pretexto, rejeitam tudo aquilo que for pós-conciliar, seja isto a Missa de São Paulo VI ou até as canonizações de muitos santos, inclusive São Padre Pio, acontecida no pontificado de São João Paulo II, que por tais utilitaristas é compreendida não por uma maneira de se reconhecer e evidenciar a santidade do sacerdote de Pietrelcina, mas por mero modo de se admirar ao invés de se imitar, conforme acepções do Frei Jean Gregory do Nascimento, OFMCap — o que é ilógico, mesmo do ponto de vista de quem não deve obediência à hierarquia eclesiástica.
6. Assim como fazem os subversores ao privarem os fiéis do verdadeiro espírito da liturgia ao infiltrarem praticantes de candomblé, umbanda, espiritismo e demais crenças na Missa de Paulo VI (ao realizarem em diversas paróquias brasileiras e resto do mundo a subtração da regra pelas exceções da Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium, desde a escusa presbiteral à implementação dessas determinações até uma patente indolência episcopal no trato da manutenção da Tradição), inovam com uma espécie de catarismo moderno os utilitaristas pela famigerada “Missa de Sempre”, responsável por perpetuar os problemas cismáticos provenientes de Dom Marcel Lefebvre (1905-1991), que por si só demandam um dossiê inteiro se agora fosse preciso abordá-lo apropriadamente. Vale a pena consultar os próprios redutos digitais da Fraternidade Sacerdotal São Pio X — FSSPX para notar que toda problemática converge tão somente às inconsistências do seu fundador, especialmente contra São Paulo VI e São João Paulo II, mas não sem antes ter entrado em choque, por sua plena culpa, contra o cardeal Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI) enquanto prefeito do Dicastério para Doutrina da Fé. Também é inverídico a inexistência de abusos litúrgicos pré-conciliares, ao menos no Brasil, de missas feitas às pressas ou faltando rubricas no intuito de torná-la em palestra, palanque político ou em devoção estética, sem dar atenção às virtudes teologais enquanto práticas concretas dos cristãos, sobretudo a caridade. Verdade seja dita: quando se politiza o que é sagrado, subverte-se a fé, seja pelo marxismo da teologia da libertação ou essa seita da “elite” intelectual, donde apenas os detentores de um “conhecimento tradicionalista” são tidos por “católicos tradicionais”, porém, patentemente desprovidos de um ímpeto fraterno. Enquanto reclamam da “Igreja Sinodal” de Papa Francisco, reafirmada pelo Papa Leão XIV, promovem sua percepção de “Igreja Maçônica”, fechada aos “pobres mortais” que não adquirem os títulos do catálogo de seus “cães de batalha” e/ou contestam suas reativas nomas, As Novas “95 Teses”, verdadeiramente antimodernistas como foram as de Martinho Lutero (1483-1456) sobre um Corpo Místico que não segue Sua Cabeça.
7. Então, como um candomblecista se sente parte de um culto pelas percepções associadas ao que ele acha ser verdadeiro, compatível com sua compreensão, porém, dentro do que se imagina nos limites do próprio conhecimento, tende a mudar, irracionalmente, as características da liturgia católica, atuando como agentes da subversão, mas não sem consentimento de um sacerdote, quem de fato se classifica como subversor — este é o modus operandi predominante na mentalidade revolucionária. Enquanto os partícipes da subversão, dominados pelos sentimentos que os põe em condições irracionais e próprias aos sacrilégios, subvertem o que é sagrado, profanando e afastando os fiéis da verdade litúrgica. Semelhantemente, como está claro no parágrafo quinto deste artigo, afastam também da legítima liturgia aqueles que aderem às normas da Fraternidade Sacerdotal São Pio X — FSSPX, donde, para eles, celebrar a “Missa Tridentina”, chamada por engodo de “Missa de Sempre”, corrobora tão somente uma parcela utilitária, sintetizada, reduzida muitas vezes à devoção estética, decaída numa imanência cuja correspondência só se relaciona com a imagem acústica do indivíduo em apartado da cristandade, culminando, infelizmente, numa fé em sentido teórico do que se tem por virtual.

8. Infelizmente, pedindo-se escusas por constatar algo realmente lastimoso na educação brasileira, quando se aborda de maneira filosófica as premissas de um pensamento, logo parecem rejeitáveis pelas abstrações necessária, mas que, realizando correlações por meio de fatos, estes viram automaticamente objetos da questão, esquecendo-se as discussões realmente pertinentes. Fenômeno paradoxal, diga-se de passagem, como algo mais ou menos assim: se se aborda um acidente de trânsito em um centro urbano, reclamando que precisam os devidos órgãos de fiscalização da prefeitura tomarem medidas corretivas para evitar novos sinistros, há quem se afete de um modo tão rude, que lhe sobra apenas uma reação de retrucar, dizendo “o que é que tem o meu prefeito?”. Portanto, quando os utilitaristas afirmam que só são rebatidos com argumentum ad hominem, incorrem na Projeção de Si em Coisa Alheia, revertendo qualquer questionamento a pensamentos desenvolvidos por eles num “julgamento temerário”, no intuito de tornarem seus questionadores em agressores, escamoteando possíveis problemas da formação do caráter dessas adeptos da “elite” do catolicismo. Disto, quem teve formação catequética incompleta, perante a “temeridade” imputada por aqueles “cães de batalha”, termina caindo em escrúpulos, motivo pelo qual cooperam com o mal — o que é patente nas frequentes condutas contra o clero, vários leigos, ou até os santos da Igreja Católica, canonizados depois do Concílio Vaticano II.

9. Agora fica mais fácil concluir esta exposição: é a maçã dos lefebvristas que dão poderes aos adeptos para rejeitarem a Missa de São Paulo VI, igualmente desprezar o Catecismo da Igreja Católica e a inclusão dos mistérios luminosos no Santo Rosário por São João Paulo II — “Pelos seus frutos os conhecereis.” (Mt 7, 20).
    Para referenciar esta postagem:
ROCHA, Pedro. A Maçã Lefebvrista. Enquirídio. Maceió, 27 jun. 2025. Disponível em https://www.enquiridio.org/2025/06/a-maca-lefebvrista.html.

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